quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

SISTEMA IMUNOLÓGICO DE PACIENTES NEONATOS E PEDIÁTRICOS

Autores: Bárbara de Araújo Brum (Graduanda em Medicina Veterinária) e Victor Luigi Costa Silva (Graduando em Biomedicina)


    O desenvolvimento do sistema imunitário começa antes mesmo do nascimento através da hematopoese nas primeiras semanas de gestação. Este desenvolvimento é de extrema importância para o neonato para que, ao nascer, deve estar preparado da melhor maneira possível para quando entrar em contato com agentes externos, tanto da microbiota comensal vaginal da mãe, quanto do próprio ambiente em que está sendo feito o parto, os quais podem possivelmente causar doenças a ele. Além do mais, existem várias evidências demonstrando que o ambiente uterino não é tão estéril como era pensado antigamente.

        Para que a gravidez ocorra de forma saudável e com êxito, tanto para o embrião, quanto para a mãe, deve haver um equilíbrio do sistema imune materno com o fetal. Apesar do embrião carregar a carga genética da mãe através do óvulo, ele também carrega os genes do pai pela fusão do espermatozoide com o gameta feminino materno, assim o embrião pode ser considerado um aloenxerto tolerado pela mãe. Essa tolerância é vista desde o início da fecundação em que o gameta masculino se funde com a zona pelúcida, matriz de glicoproteína do gameta feminino, para depois fertilizar o óvulo formando um zigoto. A zona pelúcida em camundongos, se mostrou importante na proteção física do pré-embrião, visto que este começa a apresentar MHC paterno, assim se previne a sua rejeição pelo sistema imune materno ao entrar em contato com antígenos paternos, dentre outras questões importantes que auxiliam na continuação dessa gravidez.

        O feto também se desenvolve de modo que seja mais tolerante possível a sua mãe. Isso pode ser visto quando ele entra em contato com algum agente patogênico, as células T fetais virgens diferenciam em células T-reg, favorecendo uma resposta imunológica mais branda ao antígeno, diminuindo a probabilidade de um parto prematuro. Além disso, as principais interleucinas produzidas no feto comparadas com adultos são IL‐6, IL‐10 e IL‐23, já as menos produzidas são  IL ‐ 1β, IL ‐ 12 e TNF ‐ α considerando que as primeiras estão mais envolvidas na tolerância. Essa regulação do sistema imune é muito importante visto que ao inativar os genes que codificam receptores de TNF ‐ α e IL ‐ 1β, houve o impedimento de trabalho de parto prematuro causado por LPS, demonstrando assim, a importância de que essas citocinas sejam produzidas em baixos níveis. Por conta dessa imaturidade do sistema imune embrionário ou fetal, a mãe compartilha várias moléculas com o embrião como anticorpos maternos através de duas camadas placentárias, a camada sinciciotrofoblasto e o endotélio fetal. A imunoglobulina mais encontrada no feto é o IgG fetal e IgM, IgA e IgE em menor quantidade. A IgG também pode ser transferida via líquido amniótico.

         O período neonatal se inicia no momento do nascimento até o vigésimo oitavo dia e, mesmo que o sistema imune fetal tenha iniciado seu desenvolvimento por alguns estímulos, ele ainda é extremamente imaturo e, na hora do parto, é extremamente exigido tanto pela diversidade de microrganismos, quanto pela quantidade quando comparada com a pouca ou nenhuma enfrentada no útero. Além disso, como foi descrito anteriormente, antes de nascer, o feto tentava ao máximo ter uma resposta menos agressiva para manter a tolerância materno-fetal com a produção de poucas citocinas pró-inflamatórias e ação celular Th1, alta quantidade de adenosina que é um imunossupressor potente e baixos níveis das proteínas do sistema complemento considerados importantes para no desencadeamento de respostas imunes adaptativas, sendo que esses fatores ainda se encontram no nascimento.

        Existem vários estudos para elucidar se o ambiente uterino é realmente estéril ou não e, como foi relatado anteriormente, já não se acredita que o útero seja um ambiente estéril. Isso é um fator importante no sistema imunitário do recém-nascido, pois é quando o sistema imune começa a se preparar realmente contra agentes patogênicos ou começa a ter interações com microrganismos comensais importantes para a sobrevivência do indivíduo. Além do mais, após o nascimento, o sistema imune do bebê continua tolerante para que a microbiota comensal consiga se instalar e se adaptar mais rapidamente. Isso ocorre devido a produção de precursores eritróides co-expressando CD71 (receptor de transferrina) e CD235a (inibidor da hemaglutinação e hemólise)..

        Um estudo demonstra que a microbiota das fezes de bebês recém nascidos, tanto parto normal, quanto cesariana, apresentaram a mesma flora placentária da mãe. Sendo Proteobactérias a bactéria mais encontrada no líquido amniótico. Além disso, o parto também influencia na flora do recém-nascido em que, bebês nascidos normalmente pelo canal do parto, tendem a ser colonizados pelas bactérias vaginais, Prevotella e Lactobacillus, já os nascidos por cesárea, apresentam uma flora mais presente na pele materna, dos funcionários hospitalares e até mesmo do próprio ambiente hospitalar. A microbiota pulmonar também está relacionada com a microbiota intestinal, porém, as amostras de neonatos têm uma baixa biomassa e com  difícil detecção. Entretanto, neonatos prematuros devido a corioamnionite, apresentaram uma maior detecção de DNA bacterianos em seus pulmões. Além disso,  existe uma relação da microbiota do intestinal e pulmonar muito forte de modo que  caso exista uma disbiose ou enfermidade no trato  gastrointestinal, há grande chances de desenvolver uma doença no pulmão, por exemplo e vice-versa.

        Outro fator que influencia na microbiota e na imunidade do neonato é a alimentação. A alimentação crucial e insubstituível do neonato é o leite materno, não somente para nutrir,  mas também para o desenvolvimento e maturação do sistema imunológico de forma passiva, ou seja, através da passagem de enzimas como a lisozima, lactoferrina, imunoglobulinas, componentes do sistema complemento, citocinas, leucócitos, oligossacarídeos, nucleotídeos bem como hormônios  da mãe para o recém nascido. O principal anticorpo passado através do leite é a IgA secretora (80 - 90% dos anticorpos do leite materno) que desempenha um papel crucial na defesa das mucosas do neonato, além disso são moléculas anti-inflamatórias, depois vem a IgM e em menor quantidade a IgG. Sabe-se que a Lisozima tem a capacidade de degradar a parede de bactérias gram-positivas. Já a lactoferrina tem um efeito bacteriostático na mucosa intestinal por se ligar ao ferro do TGI que impede a proliferação de patógenos, também tem uma ação bactericida contra vírus, bactérias entre outros, além disso, possui efeito modulatório em cima de citocinas pró-inflamatórias como IL-1β, IL-6, TNF-α e IL-8 as quais estimulam o desenvolvimento do sistema imunológico. Um dos principais fatores de crescimento encontrados no leite foram os fatores estimuladores de colônias (CSF) os quais são responsáveis por regular a sobrevivência dos macrófagos e neutrófilos presentes no leite. As principais células do sistema imune presentes no leite materno são macrófagos, neutrófilos, linfócitos (TCD3+, CD4+,CD8+, células Tγδ , NK CD16+ entre outros) e células B. Além disso, o leite materno também transfere cepa intestinal comensal, sendo as principais  Lactobacillus, Staphylococcus, Enterococcus e Bifidobacterium. Outro componente importante do leite para os neonatos são os oligossacarídeos que auxiliam na inibição da adesão de microrganismos na mucosa intestinal e também ajudam na maturação do sistema imunológico aumentando o número das placas de Peyer, por exemplo.

        A maturação do sistema imune ocorre de forma constante e depende de inúmeros fatores individuais. Na infância, questões como posse de animais de estimação, uso de antibióticos e o momento da introdução alimentar influenciam muito. Mesmo que nessa fase a criança tenha entrado em contato com inúmeros agentes microbianos, ainda sim, é um período crítico no desenvolvimento do sistema imunológico, principalmente no funcionamento de células T, pois o Timo ainda está em desenvolvimento a fim de atingir sua atividade máxima.


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