segunda-feira, 26 de outubro de 2020

SISTEMA COMPLEMENTO NA GRAVIDEZ: ATUAÇÃO NA PRÉ-ECLAMPSIA

 Autores: Ana Flávia de Paula Pereira (Graduanda em Medicina Veterinária), Bárbara de Araújo Brum (Graduanda em Medicina Veterinária) e Vinícius José de Oliveira (Doutorando PPIPA).


               O que é pré-eclâmpsia?

A pré-eclâmpsia consiste em uma complicação no início da gravidez em que a gestante apresenta proteinúria, hipertensão e outros sintomas que pode afetar 3,5% das gestantes do mundo. O que se sabe é que nessa doença é que tem mecanismos imunológicos atuantes responsáveis pelos sintomas, por isso estratégias imunológicas de tratamento são extremamente indicadas, já que não há cura.

A fisiopatologia da doença é decorrente de uma falha na ativação das células trofoblásticas, que fazem modulação do organismo de diversas formas. Esse problema leva o aumento do volume circulatório nas artérias uterinas, além do aumento concomitante da pressão intravascular. O sangue materno que chega com toda essa pressão na placenta provoca danos na camada de sincíciotrofoblasto, a camada única que forma uma barreira entre o sangue materno e o tecido fetal, devido ao fluxo sanguíneo turbulento. Todos esses danos levam a uma isquemia por reperfusão pulsátil e causam um desequilíbrio da função placentária.

A camada de sincíciotrofoblastos afetada passa a degenerar e liberar corpos debris, que em contato com a circulação materna são direcionados para diversas partes do corpo e, ao alcançar determinadas ramificações de vasos podem formar trombos, desafiando o sistema imune materno e sua capacidade fisiológica de várias maneiras.

 

               Ativação do sistema complemento

O sistema complemento é um mecanismo que faz parte da imunidade inata e consiste em cascatas de clivagens enzimáticas para formar um complexo de ataque à membrana (MAC). Este é responsável por romper a camada fosfolipídica da célula alvo ocasionando uma opsonização, para marcar alvos de fagocitose anafilatoxinas (C3a, C4a e C5a), promovendo um grande potencial quimiotático. É um sistema formado por 3 vias diferentes, a via clássica, alternativa e de lectina.

A via clássica começa com a ligação de um anticorpo IgG ou IgM, ou então quando as moléculas C1 se ligam nas células alvo. O principal ativador dessa cascata é o C1q que ativa diversas enzimas e forma, principalmente, a C3 convertase e C5 convertase. Essas enzimas clivam C3, responsável por ativar o mecanismo de terminação.  

Na via lectina ativa a cascata da lectina ligadora de manose (MBL). Essa proteína se liga à resíduos de açúcares oligoméricos como manose, N-acetilglucosamina ou grupos acetils (ficolinas) presentes na membrana de patógenos. A MBL é formada por duas serinas de proteases MASP-1 e MASP-2. Quando o MBL se liga a superfície de um patógeno, MASP-2 é ativado e cliva C4 e C2, assim como ocorreu na via clássica, pois é análoga à ela, e irá formar a C3 convertase também.

Já a via alternativa, começa pela ativação a partir da hidrólise espontânea de tiol-ester encontrada na cadeia alfa de C3 e cliva essa molécula em C3a e C3b. O C3b opsoniza as células alvo e promove a fagocitose destas. A via também promove a ativação do complexo de ataque a membrana para ativar a via de terminação. Qualquer superfície que não tenha os mecanismos de proteção são alvos da ativação do sistema complemento.

 

               Regulação do sistema complemento

Existem proteínas responsáveis por regular o sistema complemento que são chamados de domínio proteínas de controle de complemento (PCC). Ativação contínua do sistema complemento em ótimo grau é importante para detectar e eliminar células lesionadas e moribundas a fim de gerar uma proteção do organismo. Esses inibidores podem ser tanto solúveis ou presentes em superfície celulares e existem inúmeros. O principal regulador solúvel da via alternativa é o inibidor H (FH) que atua em C3. Já os principais reguladores de membranas são CD35, CD46 e CD55 que regulam principalmente as vias alternativa e clássica já o CD59 impede o ataque da membrana contra a própria célula.

Quando esses reguladores estão insuficientes podem ter enormes consequências como a síndrome hemolítica urêmica atípica (tríade de anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e lesão renal aguda) e outras microangiopatia trombóticas (TMA) ocasionam no ataque do sistema complemento contra tecidos endógenos, estruturas endoteliais, células sanguíneas e plaquetas, sendo a gravidez um estímulo para essa síndrome. As causas principais são mutações no fator B e C3 ou autoanticorpos contra o fator H.

Nos estágios iniciais de uma gravidez saudável, é importante ter inflamação. Por isso, ocorre aumento de C3a e C5a que são anafilotoxinas importantes. No entanto, na pré-eclâmpsia essa inflamação é muito maior que o normal, pois existe uma invasão de derivados placentários na corrente sanguínea gerando uma necessidade de retirada deles por meio de fagocitose e o sistema complemento facilita a fagocitose.

A ativação do sistema complemento resultará em uma inflamação intensa, vazamento vascular e trombose e, quando não tem a regulação correta, resulta em lesões inflamatórias e apoptose nas vilosidades placentárias, já que esse tecido está sendo degenerado e utilizado como alvo nos casos de pré-eclâmpsia, devido a falha na regulação do sistema complemento. Isso tudo pode formar uma doença autoimune, pois diminui a tolerância por presença em excesso de resíduos apoptóticos e necróticos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


RAMOS, José Geraldo Lopes; SASS, Nelson; COSTA, Sérgio Hofmeister Martins. Pré-eclâmpsia. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 39, n. 9, p. 496-512, 2017.

NORONHA NETO, Carlos; SOUZA, Alex Sandro Rolland de; AMORIM, Melania Maria Ramos. Tratamento da pré-eclâmpsia baseado em evidências. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 32, n. 9, p. 459-468, 2010.
VÁZQUEZ, Mônica López; FORTE, Wilma Carvalho Neves; TEDESCO, José Júlio de Azevedo. Quantificação das populações e subpopulações de linfócitos em gestantes com pré-eclampsia. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 26, n. 8, p. 619-624, 2004.
KAHHALE, Soubhi; FRANCISCO, Rossana Pulcineli Vieira; ZUGAIB, Marcelo. Pré-eclâmpsia. Revista de Medicina, v. 97, n. 2, p. 226-234, 2018.

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