sábado, 31 de outubro de 2020

DENGUE E O SISTEMA IMUNE

Autores: Ana Flávia de Paula Pereira (Graduanda em Medicina Veterinária), Bárbara de Araújo Brum (Graduanda em Medicina Veterinária) e Vinícius José de Oliveira (Doutorando PPIPA).

 

A dengue é uma doença comum em regiões de clima tropical e subtropical devido as condições favoráveis ao desenvolvimento do vetor, o mosquito Aedes aegypti responsável pela transmissão do patógeno. O vírus causador é do gênero Flavivírus sp., da família Flaviviridade de tipo 1 e contém uma fita simples de RNA com polaridade positiva, eles são classificados em quatro sorotipos distintos DENV I, II, III, IV.

O vírus da dengue possui em sua estrutura a proteína E, ela é capaz de interagir com diversos co-receptores como lectinas, claudina-1, glicosaminoglicanos, polissacarídeos sulfatados, e  outros presentes em células mononucleares como os macrófagos ou monócitos, e células dendríticas,  com essa interação o microrganismo consegue invadir o organismo do hospedeiro por meio da fusão.

Na primeira infecção o único mecanismo de defesa é a resposta imune inata, mas na segunda a resposta imune pode ser agravada pelo mecanismo ADE, que é a exacerbação da doença mediada pela ação de anticorpos provenientes da infecção anterior, associado a virulência da cepa. Neste caso, a interação antígeno e anticorpo facilita a entrada do vírus, porém a ligação entre ambos é fraca e o vírus é capaz de burlar o sistema imune e obter êxito na propagação nas células do hospedeiro, pois a Ig não realiza sua função neutralizante e sim auxilia o patógeno.

Figura 1: Representação esquemática da entrada do vírus por meio do mecanismo dependente de anticorpos (ADE), em células do hospedeiro.

Como os principais alvos de infecção são as células de Langerhans, na pele, os macrófagos e células dendríticas, por serem as primeiras que entram em contato com o vírus, a viremia é facilmente instalada, pois os antígenos podem ser transmitidos para os mosquitos que levam para os próximos indivíduos onde irão praticar hematofagia.

As células T específicas para a resposta contra o vírus utilizam diversos mecanismos como proliferação, lise de células-alvo e a produção de uma diversidade de citocinas. As principais produções estão relacionadas com as atividades de células Th1, responsável por uma resposta pró-inflamatória, e Th2, que está associada a produção de células B com estimulação da resposta humoral. Entretanto, a variação de aminoácidos presente nos diferentes sorotipos afeta a funcionalidade e efetividade das células T.

 Houve uma descoberta recente que indica atuação de células Th17 em paralelo com Th1 e Th2, realizando uma comunicação com a imunidade inata por ativar as características pró-inflamatórias dos neutrófilos nas periferias.

O quadro clínico dos casos de dengue mostra uma sintomatologia inespecífica, com pacientes febris, apresentando mal-estar e fraqueza. Os mais comuns e conhecidos sintomas que a doença traz são as dores musculares e cefaleia. Há sangramentos e hematomas formados com facilidade devido a desregulação da hemostasia. Além disso, pode ocorrer uma disfunção ventricular na fase aguda da dengue hemorrágica que já foi estudada e descrita por vários autores, porém na prática clínica do dia a dia é subdiagnosticada. Essa característica leva a uma queda na ejeção ventricular de sangue durante a infecção.

O vírus pode apresentar alguns mecanismos de evasão que são essenciais para sua característica infectante e sobrevivência no organismo, como a habilidade de incapacitar a produção de IFN mesmo sendo estimuladas por IFN 1. Como a infecção é comum em células dendríticas a inibição de IFN as torna ineficientes, pois perdem a capacidade de diferenciar células T em Th do tipo 1. O principal bloqueio acontece para a produção de IFN tipo1 alfa e beta já que o gama ainda consegue ser produzido pela sinalização da via STAT2, entretanto seu estímulo não causará mais resposta na célula para maior produção já que foi inibida e encontra-se sem eficiência. Acredita-se que a produção de proteínas específicas exerça uma “down-regulation” nos genes responsáveis pela produção de IFN por uma determinada via de STAT1.

As vacinas produzidas contra a dengue buscam induzir a maior produção de anticorpos neutralizantes, principalmente na forma de vírus inativo, pois os riscos da utilização da vacina com vírus atenuado são mais altos pela característica de infecção da doença (mecanismo ADE). As vacinas testadas possuem proteína E, pré-M, C e RNA viral. A proteína E sofre glicosilação e fica parecida com os “vírions” da dengue, por isso pode ter seus domínios reconhecidos por anticorpos monoclonais que irão responder de forma neutralizante contra as alterações virais. Existem investimentos para o desenvolvimento de proteínas E purificadas específicas para cada sorotipo da dengue.

Apesar do risco, vacinas com o vírus atenuado também foram produzidas, substituindo as proteínas E e pré-M por seus equivalentes genes do vírus atenuado em cada sorotipo, abrindo portas para quatro vacinas candidatas, entretanto essa vacina demonstrou baixa viremia podendo ser útil para a utilização em humanos, mas não tem a capacidade de transmitir os anticorpos para combater o vírus no mosquito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

SOUZA, Patrick Jesus de et alCaracterização dos aspectos clínico-epidemiológicos, imunológicos e virológicos de casos de dengue ocorridos em Pernambuco em 2010-2011. 2019. Tese de Doutorado.

ARRUDA, Thaís Bonato de et alAnálise do perfil clínico e imunológico de pacientes com dengue em fase aguda na região norte do Paraná. 2018. Tese de Doutorado. Fundação Oswaldo Cruz. Instituto Carlos Chagas.
SAITO, Cristhiana Kise et al. Sorologia e avaliação clínica: correlação no diagnóstico da dengue. Rev Cuidarte Enfermagem, v. 11, n. 1, p. 72-77, 2017.
DE SOUZA, Luiz José. Dengue, Zika e Chikungunya–Diagnóstico, Tratamento e Prevenção. Editora Rubio, 2016.
LOBO, Maria RG et al. Citocinas na dengue: Inovações do sistema imune. Scientia Amazonia, v. 3, n. 1, p. 25-40, 2014.

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