quarta-feira, 17 de abril de 2019

Gatos, a ajuda que precisávamos para os estudos do HIV


Autor: Lana Isabella Gila
Editor: Eliézer Lucas Pires Ramos (PosDoc PPIPA)




HIV e os modelos de estudos: FIV e SIV.

O vírus de escolha para estudos comparativos ao HIV (Vírus da Imunodeficiência Humano) era o SIV (Vírus da Imunodeficiência Primata), devido principalmente a suas compatibilidades genéticas, visto que, provavelmente, o HIV surgiu de espécies cruzadas de SIV, há mais ou menos 100 anos, no centro-oeste da África. Atualmente o modelo de escolha para estudos do HIV é o FIV (Vírus da Imunodeficiência Felina), principalmente pela facilidade de se encontrar o vírus nos gatos e pelo menor desafio ético em trabalhar com esses animais, quando comparado aos primatas.
O FIV tem distribuição mundial e prevalência em gatos machos, adultos e que vivem em alta densidade populacional (abrigos ou acumuladores de animais). A principal forma de transmissão se dá  pela inoculação de sangue ou saliva, por mordidas, e por esse motivo, ficou conhecida como a “doença da briga”. Assim como o HIV, o FIV tem tropismo celular principalmente, por linfócitos CD4+, mas podendo infectar também CD8+, linfócitos B e macrófagos que causarão uma disfunção imune progressiva, caso o animal chegue na fase de imunodeficiência (7-10 anos sendo portador do vírus).
O HIV também tem distribuição mundial e sua prevalência é em homens homossexuais. A transmissão pelo HIV se dá no contato de secreções, portanto na relação sexual (heterossexual ou homossexual), ao se compartilhar seringas, em acidentes com agulhas e objetos cortantes infectados, na transfusão de sangue contaminado, na transmissão vertical da mãe infectada para o feto durante a gestação ou na amamentação,mas diferente do FIV, a saliva do portador do HIV tem pouca concentração viral, e dificilmente será transmitido por esse meio.

Estudos com FIV.
Na resposta imune inata os gatos respondem à infecção experimental pelo FIV de uma maneira muito semelhante às pessoas infectadas com o HIV. A única diferença é que a infecção pelo FIV como ocorre mais comumente via inoculação direta do sangue, as respostas inatas podem ser ativadas um pouco mais rápido. Mas para comparar melhor os mecanismos inatos de FIV, o próprio HIV precisa ser melhor estudado, visto que uma grande parte do genoma dos mamíferos é derivada de retrovírus, e há uma capacidade limitada para combater a replicação viral no ínicio da infecção.
A resposta imune adaptativa experimental em FIV também ocorreu de forma muito parecida com os humanos, linfócitos citotóxicos específicos de vírus (CTL) e anticorpos aparecem no organismo entre 2-4 semanas junto da diminuição da viremia no sangue. Ainda faltam alguns estudos, mas é provável que o CTL, assim como nos humanos, servem para restringir a replicação viral durante a fase silenciosa da infecção, retardando a progressão, mas não sendo capaz de  eliminar os vírus, devido a falta de suporte de citocinas CD4+, exaustão e/ou surgimento de mutantes virais.
Os linfócitos T CD4 são o alvo predominante tanto do HIV quanto do FIV, e a sua perda sustenta a imunodeficiência de ambas as infecções. Os dados obtidos até agora, sugerem que durante a infecção aguda pelo HIV, os linfócitos T CD4 disseminados sofrem ativação,resultando em alvo suscetível e abundante para infecção causando alta replicação viral e alta morte celular devido a efeitos virais.Com  o FIV, os estudos da infecção está um pouco mais limitado, mas ensaios sensíveis que detectam RNA viral plasmático, indicaram que a dinâmica viral segue um curso de tempo semelhante em gatos infectados e em pessoas não tratadas.
Na imunidade humoral, os anticorpos são mais eficazes contra partículas de vírus livres e não nas células, portanto, na infecção pelo HIV, são raros os anticorpos capazes de neutralizar, a grande maioria de anticorpos produzidos abundantemente são ineficazes. Na infecção por FIV, anticorpos que persistem por toda a vida também são gerados e em grande quantidade dentro de algumas semanas de exposição, servindo de base para o diagnóstico. Novos estudos estão surgindo, com base em um anticorpo encontrado na infecção por FIV, que foi capaz de se ligar no principal receptor de ligação, o CD134 (se liga a CD4, para infectar).
Nos EUA, desde 2002, uma vacina comercial contra dois subtipos do FIV (A e D) está disponível, porém, ela apresenta baixa eficácia in vivo (20-100%), necessitando de mais estudos, mas podendo servir para o início de pesquisas em HIV. Existe terapia antiviral para portadores de HIV, embora a infecção não seja eliminada,os níveis de replicação viral diminuem e mutações no genoma viral são muito retardadas. Em FIV a terapia anti-retroviral não é amplamente utilizada para gatos infectados.
A infecção por FIV em gatos pode ser comparada em vários aspectos com a infecção pelo HIV em pessoas, e oferece muitas oportunidades de pesquisas, visto que o modelo é muito adequado para ser utilizado para abordagens terapêuticas e testes profiláticos, que ainda não temos disponíveis para o vírus da imunodeficiência humana.

Referências.
BIENZLE D.;FIV in cats – a useful model of HIV in people?.Elsevier - Veterinary Immunology and Immunopathology. Guelph, Canadá. 2014.

HIV: Sintomas, transmissão e prevenção. Instituto de Tecnologia em Imunobiológicas, Manguinhos, 2014. Disponível em:https://www.bio.fiocruz.br/index.php/sintomas-transmissao-e-prevencao-nat-hiv. Acesso em: 17 de Junho de 2019.

HIV e FIV, existem semelhanças?. VetWest. Disponível em:https://www.vetwest.com.au/pet-library/fiv-and-hiv-are-there-any-similarities. Acesso em 17 de Junho de 2019.


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