terça-feira, 27 de novembro de 2018

Uma relação entre o sistema imune e o estresse oxidativo na doença de vitiligo

Por: Lúcia Cecília Nunes
Editora: Tamires Lopes Silva


Vitiligo é uma doença poligênica, ou seja determinada por vários genes que possui como característica a perda da coloração da pele. Essa perda ocorre devido a morte dos melanócitos, células responsáveis pela produção  de melanina, componente característico da pigmentação de nossos corpos. Acredita-se que a perda destes melanócitos está relacionada a mecanismos auto-imunes, citotóxicos e oxidantes. Espécies reativas de oxigênio (EROS) -  características do estresse oxidativo -  foram registradas em peles afetadas por vitiligo, sendo que numerosas enzimas, além da tirosinase, precursora da melanina são afetadas. Além disso, também há registro de alterações no sistema imunológico durante a doença, seja ela no seu estado crônico ou progressivo. Portanto, acredita-se que a morte dos melanócitos no vitiligo não está especificamente ligada a um fator, mas sim a um conjunto de fatores que interagem entre si.

As espécies reativas de oxigênio (EROS) acumuladas causam danos ao DNA, peroxidação lipídica e proteica, ou seja, muitas proteínas são alteradas e mostram perda parcial ou total de funcionalidade diante da oxidação mediada por H2O2(peróxido de hidrogênio), que é o caso da enzima tirosinase, onde o peróxido de hidrogênio funciona como um inibidor da sua atividade. Além disso estudos também mostram um estresse oxidativo sistêmico em pacientes com vitiligo, devido ao desequilíbrio nos sistemas antioxidantes não enzimáticos, somado a um decréscimo significante na atividade da acetilcolina esterase (AchE) - enzima responsável por hidrolisar a acetilcolina na fenda sináptica.

Os níveis aumentados de EROS nos melanócitos podem causar uma apoptose defeituosa, resultando na alta liberação de proteínas que podem servir como autoantígenos, levando a autoimunidade. Os níveis intracelulares de  H2O2  e outros EROS também aumentam em resposta aos níveis de TNF, que são potentes inibidores da melanogênese (processo de síntese da melanina) . Os níveis de  EROS são aumentados por citocinas, incluindo a IL-2 que regula positivamente a expressão da proteína anti-apoptose e a Bcl-2 (linfoma de célula B-2) tornando células T resistentes a morte celular programada.

Os anticorpos que atuam contra os antígenos dos melanócitos são detectados no soro de pacientes com vitiligo, e existe uma correlação entre melanócitos, níveis de anticorpos e atividade da doença. A tirosinase é o principal antígeno reconhecido por esses anticorpos, sugere-se que 75% dos pacientes com vitiligo possuem anticorpos que são antimelanócitos em sua circulação. O aumento na concentração de células T citotóxicas reativas a melanócitos no sangue de pacientes com vitiligo, a infiltração perilesional de células T e a perda de melanócitos in situ, reafirmam o envolvimento da autoimunidade celular na patogênese do vitiligo. Estudos histopatológicos e imuno-histoquímicos mostram a presença de infiltração de células TCD8+ no vitiligo generalizado, enquanto que estudos in vitro demonstraram um aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias IL-6 e IL-8 por monócitos de pacientes com vitiligo progressivo, o que afetará a migração de células efetoras, e também ativará as células B.

Recentemente a análise imuno-histoquímica mostrou infiltração das celulas T helper 17 em amostras de pele com vitiligo, além de células TCD8+. Os estudos fornecem evidências sobre a influência de um ambiente de citocinas relacionadas com células T helper 17 ( IL-17A, IL-1b, IL-6 e TNFa) na despigmentação local no vitiligo. A IL-17 também foi relatada como envolvida na produção de EROS.

Os melanócitos de pacientes com vitiligo demonstraram várias anormalidades, incluindo síntese incompetente, retículo endoplasmático rugoso anormal e apoptose precoce.  Durante a apoptose, há modificação de antígenos de melanocitose através de proteólise, além de alterações na fosforilação e citrulinação, o que dá origem a formas imunoestimuladoras intracelulares associadas a membrana de autoantígenos. Estes autoantígenos modificados, que também podem expor epítopos, podem ser processados por células de Langerhans maduras e apresentados a células T. Posteriormente, a auto-reação as células TCD4 podem estimular as células B autorreativas e produzir auto-anticorpos enquanto que as células TCD8 podem atacar melanócitos diretamente. Vale a pena notar que a eliminação eficiente de células apoptóticas é crucial para evitar respostas auto-imunes a antígenos intracelulares.

A interação do estresse oxidativo e o sistema imunológico são as duas principais teorias da patogênese do vitiligo, incluindo autoimunidade etiológica e mediação da toxicidade do melanócito pelo estresse oxidativo. Além disso, o estresse oxidativo produzido através do aumento da liberação de catecolamina ou outras fontes como intermediários tóxicos precursores da melanina, podem iniciar ou amplificar a perda de melanócitos por autoimunidade.

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Vitiligo: interplay between oxidative stress and immune system, DOI: (10.1111/exd.12103). https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/exd.12103

A patogênese do vitiligo, é entendida como complexa e enigmática em maior extensão. No entanto, as abordagens científicas apresentadas nos últimos anos produziram algumas pistas interessantes que dão crédito ao estresse oxidativo e às hipóteses autoimunes com potencial relevância clínica. Embora a condição possa ser precipitada por múltiplas etiologias, a interação do estresse oxidativo com o sistema imune claramente parece ser a via convergente que inicia e / ou amplifica a perda enigmática dos melanócitos. Uma melhor compreensão dos fatores desencadeantes para a geração de autoimunidade em pacientes com vitiligo poderia abrir caminho para o desenvolvimento de terapias preventivas.



Referências


LADDHA, Naresh C. et al. Vitiligo: interplay between oxidative stress and immune system. Experimental Dermatology, [s.l.], v. 22, n. 4, p.245-250, 21 fev. 2013. Wiley. http://dx.doi.org/10.1111/exd.12103.


DENAT, Laurence et al. Melanocytes as Instigators and Victims of Oxidative Stress. Journal Of Investigative Dermatology, [s.l.], v. 134, n. 6, p.1512-1518, jun. 2014. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1038/jid.2014.65.

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