Por: Laura Calazans de Melo Gomes
Editora: Carolina Salomão Lopes (PosDoc PPIPA)
A
resposta imunológica no ambiente materno-fetal é altamente complexa e dinâmica.
Por anos, tem-se considerado que as respostas imunológicas na interface
materno-fetal apresentam um perfil anti-inflamatório. Muitos estudos comparam o
estado imunológico da gravidez com modelo de enxerto alogênico (quando o tecido
recebido no transplante é de um indivíduo geneticamente diferente). A gravidez
é um paradoxo imunológico, se considerarmos que uma das principais
características do sistema imune é a sua capacidade de discriminação de
antígenos ´próprios` do ´não próprio`; como o sistema imune materno não
considera a parte paterna do embrião como tecido estranho? Sabemos que o útero
é considerado uma região imunoprivilegiada, onde o embrião semi-alogênico
consegue sobreviver e se desenvolver.
A
teoria de que a gravidez se assemelha a uma resposta imune durante um
transplante não é mais tão aceita, pois para que ocorra um transplante de órgão
bem-sucedido é necessário que ocorra uma imunossupressão constante, entretanto
uma gravidez de êxito requer um sistema imunológico dinâmico, robusto e
responsivo. Além disso, a apresentação de antígenos durante gravidez é mais
semelhante a apresentação de antígenos no ambiente de micrometástase tumoral,
pois em ambos, há baixos níveis de captação de antígeno pelas células
dendríticas (CDs) e uma apresentação gradual de antígenos fetais/tumorais aos
linfócitos T. Isso pode acarretar na deleção de células T efetoras ou à indução
de células T reguladoras, tornando o hospedeiro tolerante ao feto/tumor,
dependendo da situação. Ademais, há semelhanças entre os eventos de implantação
do blastocisto e os eventos de micromestástase. Essas evidências enfatizam
ainda mais que a comparação da resposta imune durante a gravidez com o modelo
de enxerto hospedeiro é um conceito desatualizado. Sendo assim, muitos estudos têm
sido realizados para melhor elucidar as características da resposta imune durante
a gravidez.
A
gravidez possui três estágios imunológicos que correspondem aos estágios
de desenvolvimento do feto (figura 1):
· 1º
estágio: Implantação do blastocisto e placentação (pró- inflamatório);
· 2º
estágio: Crescimento fetal (anti-inflamatório);
· 3º
estágio: Início do parto (pró-inflamatório).
Figura 1: Estágios imunológicos durante a gravidez. MOR, G. et al (2017). |
Durante
o processo da gravidez, as células trofoblásticas e a microbiota local têm
papel crucial na indução de um sistema imunológico tolerante ao feto, que de
fato, expressa antígenos provenientes do pai. A seguir, detalharei o papel de
ambos:
Células trofoblásticas
O
trofoblasto é o primeiro ponto de contato entre o blastocisto e a decídua
materna. Pesquisas recentes mostram que no momento do implante do blastocisto e
da placentação, as células trofoblásticas desempenham papel importante na
formação do microambiente imunológico envolvido na implantação. As células
trofoblásticas além de atrair e modular as células imunes por meio da secreção
de quimicionas e citocinas, coordenam a resposta subsequente das células imunes
aos estímulos externos. Além disso, elas também são capazes de responder ao seu
microambiente de uma forma única, através da expressão de receptores como TLRs
e do tipo NOD, e estão envolvidas em diferentes processos fisiológicos como
diferenciação na decídua, angiogênese e desenvolvimento placentário e fetal.
Microbiota
O
papel da microbiota residente no sistema imune materno ainda é controverso,
entretanto, pesquisas recentes sugerem que a microbiota materna pode auxiliar
na indução da tolerogenicidade, ou seja, permite a receptividade e evita a
rejeição da unidade fetal-placentária. Ademais, tem sido demonstrado que a
exposição à microbiota da mãe durante o período gestacional pode afetar de
maneira acentuada o desenvolvimento inicial do sistema imune pós-parto na
prole.
É importante evidenciar que as
infecções bacterianas estão correlacionadas com complicações na gravidez: nascimentos
prematuros e abortos. Elas são capazes de induzir uma resposta imune contra o
patógeno que podem levar a uma inflamação excessiva, tendo como consequência,
lesão e/ou morte fetal.
A microbiota está envolvida tanto na
modulação imune benéfica quanto nas infecções prejudiciais durante a gestação. Surpreendentemente,
as bactérias envolvidas em complicações na gravidez, são na maioria dos casos, semelhantes
à da microbiota residente, deste modo, nem sempre novos patógenos são
observados na placenta infectada. Acredita-se que as infecções bacterianas
ocorrem em associação com uma infecção viral, potencializando assim o processo
infeccioso.
Visto isso, é evidente a necessidade
de um novo olhar sobre o sistema imune durante a gravidez. Um número crescente
de pesquisas apoia o seguinte conceito: um sistema imune dinâmico e responsivo
é crucial para uma gravidez de êxito. Dessa forma é importante melhorar o
acompanhamento materno, especialmente na detecção, tratamento e prevenção de
infecções virais, visto que, elas podem alterar a resposta imune frente a
interface materno-fetal, diminuindo assim o risco de complicações na gravidez e
malformações congênitas. Por fim, a compreensão por completo da resposta imune
durante a gestação é crucial para o desenvolvimento de métodos apropriados para
a proteção de ambos, mãe e feto.
Referências:
MOR, G.; ALDO, P.; ALVERO, A. B. The unique
immunological and microbial aspects of pregnancy. Nature Reviews Immunology, v. 17, p. 469, 19 jun. 2017.
MICHELON, T; DA SILVEIRA, G. J.; GRAUDENZ, M.;
NEUMANN, J. Imunologia da gestação. Revista
da AMRIGS, v. 50, p. 145, abr.-jun. 2006.
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