terça-feira, 6 de novembro de 2018

Imunomodulaçao na gestaçao

Por: Laura Calazans de Melo Gomes 
Editora: Carolina Salomão Lopes (PosDoc PPIPA)


A resposta imunológica no ambiente materno-fetal é altamente complexa e dinâmica. Por anos, tem-se considerado que as respostas imunológicas na interface materno-fetal apresentam um perfil anti-inflamatório. Muitos estudos comparam o estado imunológico da gravidez com modelo de enxerto alogênico (quando o tecido recebido no transplante é de um indivíduo geneticamente diferente). A gravidez é um paradoxo imunológico, se considerarmos que uma das principais características do sistema imune é a sua capacidade de discriminação de antígenos ´próprios` do ´não próprio`; como o sistema imune materno não considera a parte paterna do embrião como tecido estranho? Sabemos que o útero é considerado uma região imunoprivilegiada, onde o embrião semi-alogênico consegue sobreviver e se desenvolver.

A teoria de que a gravidez se assemelha a uma resposta imune durante um transplante não é mais tão aceita, pois para que ocorra um transplante de órgão bem-sucedido é necessário que ocorra uma imunossupressão constante, entretanto uma gravidez de êxito requer um sistema imunológico dinâmico, robusto e responsivo. Além disso, a apresentação de antígenos durante gravidez é mais semelhante a apresentação de antígenos no ambiente de micrometástase tumoral, pois em ambos, há baixos níveis de captação de antígeno pelas células dendríticas (CDs) e uma apresentação gradual de antígenos fetais/tumorais aos linfócitos T. Isso pode acarretar na deleção de células T efetoras ou à indução de células T reguladoras, tornando o hospedeiro tolerante ao feto/tumor, dependendo da situação. Ademais, há semelhanças entre os eventos de implantação do blastocisto e os eventos de micromestástase. Essas evidências enfatizam ainda mais que a comparação da resposta imune durante a gravidez com o modelo de enxerto hospedeiro é um conceito desatualizado. Sendo assim, muitos estudos têm sido realizados para melhor elucidar as características da resposta imune durante a gravidez.

A gravidez possui três estágios imunológicos que correspondem aos estágios de   desenvolvimento do feto (figura 1):
·       1º estágio: Implantação do blastocisto e placentação (pró- inflamatório);
·       2º estágio: Crescimento fetal (anti-inflamatório);
·       3º estágio: Início do parto (pró-inflamatório).

Figura 1: Estágios imunológicos durante a gravidez. MOR, G. et al (2017).

Durante o processo da gravidez, as células trofoblásticas e a microbiota local têm papel crucial na indução de um sistema imunológico tolerante ao feto, que de fato, expressa antígenos provenientes do pai. A seguir, detalharei o papel de ambos:
Células trofoblásticas
O trofoblasto é o primeiro ponto de contato entre o blastocisto e a decídua materna. Pesquisas recentes mostram que no momento do implante do blastocisto e da placentação, as células trofoblásticas desempenham papel importante na formação do microambiente imunológico envolvido na implantação. As células trofoblásticas além de atrair e modular as células imunes por meio da secreção de quimicionas e citocinas, coordenam a resposta subsequente das células imunes aos estímulos externos. Além disso, elas também são capazes de responder ao seu microambiente de uma forma única, através da expressão de receptores como TLRs e do tipo NOD, e estão envolvidas em diferentes processos fisiológicos como diferenciação na decídua, angiogênese e desenvolvimento placentário e fetal.
Microbiota
O papel da microbiota residente no sistema imune materno ainda é controverso, entretanto, pesquisas recentes sugerem que a microbiota materna pode auxiliar na indução da tolerogenicidade, ou seja, permite a receptividade e evita a rejeição da unidade fetal-placentária. Ademais, tem sido demonstrado que a exposição à microbiota da mãe durante o período gestacional pode afetar de maneira acentuada o desenvolvimento inicial do sistema imune pós-parto na prole.
É importante evidenciar que as infecções bacterianas estão correlacionadas com complicações na gravidez: nascimentos prematuros e abortos. Elas são capazes de induzir uma resposta imune contra o patógeno que podem levar a uma inflamação excessiva, tendo como consequência, lesão e/ou morte fetal.
A microbiota está envolvida tanto na modulação imune benéfica quanto nas infecções prejudiciais durante a gestação. Surpreendentemente, as bactérias envolvidas em complicações na gravidez, são na maioria dos casos, semelhantes à da microbiota residente, deste modo, nem sempre novos patógenos são observados na placenta infectada. Acredita-se que as infecções bacterianas ocorrem em associação com uma infecção viral, potencializando assim o processo infeccioso.
Visto isso, é evidente a necessidade de um novo olhar sobre o sistema imune durante a gravidez. Um número crescente de pesquisas apoia o seguinte conceito: um sistema imune dinâmico e responsivo é crucial para uma gravidez de êxito. Dessa forma é importante melhorar o acompanhamento materno, especialmente na detecção, tratamento e prevenção de infecções virais, visto que, elas podem alterar a resposta imune frente a interface materno-fetal, diminuindo assim o risco de complicações na gravidez e malformações congênitas. Por fim, a compreensão por completo da resposta imune durante a gestação é crucial para o desenvolvimento de métodos apropriados para a proteção de ambos, mãe e feto.

Referências:
MOR, G.; ALDO, P.; ALVERO, A. B. The unique immunological and microbial aspects of pregnancy. Nature Reviews Immunology, v. 17, p. 469, 19 jun. 2017.

MICHELON, T; DA SILVEIRA, G. J.; GRAUDENZ, M.; NEUMANN, J. Imunologia da gestação. Revista da AMRIGS, v. 50, p. 145, abr.-jun. 2006.


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