terça-feira, 9 de abril de 2019

Peçonha X Resposta imune


Por: Mariana Laura Dias Silva
Editora: Carolina Salomão Lopes (PosDoc PPIPA)


As peçonhas de cobra são compostas por uma variedade de componentes polipetídicos e não polipeptídicos (como aminas, carboidratos, lipídeos, etc.). Os componentes das peçonhas auxiliam no processo de digestão do alimento das serpentes e, além disso, possuem papel fundamental na imobilização, paralisação e morte da sua presa.
A composição química e biológica da peçonha varia entre as espécies, e a concentração de cada composto presente na peçonha pode variar de acordo com a sazonalidade climática, e principalmente com a alimentação da serpente.
Dentre os componentes mais importantes estão proteínas como as metaloproteinases, serina-proteases, fosfolipases A2, entre outras. Essas proteínas possuem diversos mecanismos de ação, que causam danos aos tecidos, como a neurotoxicidade, miotoxicidade, hipotensão sistêmica, aumento de hemorragia, diminuição da hemostasia, efeitos cardiotóxicos e indução de apoptose.
Inúmeros trabalhos já demonstraram a importância da resposta imune para controlar os efeitos da peçonha no organismo, entretanto sabe-se que a peçonha tende a se espalhar rapidamente pelo organismo, de maneira que a resposta imune não consegue proteger o indivíduo, sendo necessário a soroterapia para amenizar os efeitos tóxicos da peçonha. Interessantemente, muitos dos componentes presentes na peçonha induzem uma intensa resposta inflamatório, e por este motivo estes componentes têm sido isolados e estudados para que se possa aplicar em outras áreas de pesquisa. No local da picada tem-se o desenvolvimento de edema e inflamação resultante de uma intensa resposta imune. Alguns estudos já demonstraram o aumento de citocinas como IL-6, IL-8 e TNF, o que induz o recrutamento de células imunes para o local da picada. A resposta imune local parece favorecer a disseminação da peçonha pelo organismo.
A uso de soro antiofídico é o recomendado quando uma pessoa é picada por uma serpente. Ele é formado por anticorpos e o seu principal objetivo é neutralizar os componentes tóxicos que se encontram no sangue e nos tecidos da pessoa que sofreu a picada. Como cada espécie de serpente possui componentes distintos nas peçonhas, é necessário a identificação do animal para se escolher o soro antiofídico. Normalmente pode-se predizer a possível espécie de acordo com a região em que ocorreu o acidente, mas em alguns casos em que se tem muitas espécies peçonhentas e não é possível identificar a espécie, é necessário então utilizar kits para identificar componentes da peçonha. Essa estratégia tem sido desenvolvida em países como a Austrália.
Os soros antiofídicos são produzidos a partir do veneno retirado da serpente, cada peçonha é inoculada em animais para que ocorra a hiperimunização. O processo de fabricação de soro antiofídico exige conhecimento da peçonha injetada, e também sobre o animal que irá produzir os anticorpos. Cada peçonha deve ser administrada em concentrações controlas para que se obtenha a melhor resposta imunológica do animal sem prejudicá-lo. A maioria dos soros são produzidos em cavalos, onde o anticorpo responsável pela maior parte da atividade neutralizadora (antipeçonha) pertence à família das imunoglobulinas IgG. Porém, existem alguns fabricantes que produzem o soro antiofídico em ovinos. Algumas fontes sugerem que a IgG equina tem maior imunogenicidade do que a IgG ovina, e por conseqüência, tem uma maior probabilidade em causar reações adversas, como a doença do soro. Uma alternativa ao uso de equinos e de ovinos na produção do soro antiofídico é a utilização de camelídeos; que são usados principalmente em regiões onde estão mais adaptados; como o norte da África, Oriente Médio e planaltos na América do Sul.
Algumas pesquisas ainda estudam o uso de galinhas como produtoras de anticorpos antiofídico, sendo o anticorpo IgY o principal neutralizador da peçonha. Esse anticorpo pode ser purificado a partir das gemas de ovos, entretanto embora a produção e obtenção desses anticorpos pareça vantajosa, a sua utilização causa reações adversas no indivíduo.
Atualmente a melhor alternativa disponível para o tratamento de acidentes ofídicos é a soroterapia, mas muitos grupos de pesquisas têm avaliado a resposta imune contra peçonha, uma vez que esta resposta envolve um repertorio complexo de células e moléculas do sistema imune adaptativo e inato (Figura 1). Compreender como ocorre a resposta após a picada de serpente é extremamente importante para que se possa desenvolver alternativas mais eficazes de tratamento.


Retirado de JIMENEZ, Rocio et al. Immune drug discovery from venoms. Toxicon, v. 141, p. 18-24, 2018.

Bibliografia consultada

FURTADO, Maria de Fátima Domingues. Aspectos sistemáticos e biológicos que atuam na diversidade da composição de venenos em serpentes peçonhentas brasileiras. Herpetologia no Brasil II, 2007.
LEÓN, Guillermo et al. Immune response towards snake venoms. Inflammation & Allergy-Drug Targets (Formerly Current Drug Targets-Inflammation & Allergy), v. 10, n. 5, p. 381-398, 2011.
JIMENEZ, Rocio et al. Immune drug discovery from venoms. Toxicon, v. 141, p. 18-24, 2018.

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