quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O fantástico mundo das Lectinas

Por: Jean Carlos Teixeira Mendes 
Editora: Carolina Salomão Lopes (PosDoc PPIPA)

Quando estudamos a disciplina de imunologia na graduação, aprendemos de forma sucinta alguns efeitos biológicos das lectinas, por exemplo, a ativação do complemento pela via das lectinas, e também a atuação das selectinas, que são responsáveis pela interação dos leucócitos com células endoteliais, permitindo assim o rolamento de leucócitos.

Entretanto, suas funções biológicas vão muito além...(Figura 1)

Figura 1, Representação do potencial terapêutico das Lectinas do Tipo-C. Brown, G. D., Willment, J. A., & Whitehead, L. C-type lectins in immunity and homeostasis. Nature Reviews Immunology, 18, 374-389, 2018.


As lectinas são proteínas que reconhecem e se ligam de forma não covalente e reversível a carboidratos. Estudos nesta área têm demonstrado que lectinas participam de uma diversidade de processos biológicos, atuando, por exemplo, no reconhecimento e sinalização celulares, endereçamento de glicoproteínas, adesão celular e fagocitose, tipagem sanguínea, processos de reconhecimento imune, infecções virais, bacterianas, micoplasmáticas e parasitárias, fertilização, metástase, crescimento e diferenciação celular.
As lectinas já foram encontradas em uma diversidade de organismos, desde procariotos a eucariotos, porém, as lectinas de origem vegetal são as mais estudadas, pois são facilmente isoladas a partir do estrato bruto. A Concanavalina A e a Fitohemaglutinina (PHA) são duas lectinas de origem vegetal com atividade mitogênica em cultura de linfócitos e contribuíram para novas descobertas sobre o funcionamento do sistema imune, como a descoberta do fator de crescimento de células T, atualmente conhecido como interleucina-2.
As lectinas de origem animal apresentam baixa biodisponibilidade o que dificulta a sua obtenção, mas com o advento da engenharia genética foi possível a obtenção e produção de proteínas recombinantes pouco expressas permitindo que os estudos com lectinas de origem animal aumentasse. A classificação das lectinas é realizada de acordo com a estrutura de seus carboidratos ligantes, os processos biológicos que estão envolvidas, e suas respectivas localizações celulares. Contudo, dentro das diversas classes de lectinas, a principal semelhança estrutural entre elas é uma porção comum, denominada região de reconhecimento ao carboidrato (CRD, do inglês, carbohydrate recognition domain), responsável pela atividade ligante de carboidratos que as lectinas apresentam.

Dentre os principais grupos de lectinas animais podemos destacar, lectinas tipo-S, lectinas tipo-P e lectinas tipo-C, porém, neste texto daremos maior ênfase a lectinas do tipo C, pois elas constituem o maior grupo de lectinas de origem animal e são encontradas na matriz extracelular, membranas e na forma secretada. Esse grupo de lectinas requer cálcio para sua atividade biológica, e suas ações têm sido amplamente demonstradas, principalmente sobre os sistemas imune e nervoso (Figura 2).

Figura 2: Kapoor C, Vaidya S, Kaur H, Jain A. Role of lectins in clinical settings. Clin Cancer Investig J. 3:472-7, 2018.


A dectina-1, um importante agente antifúngico contra Candida albicans em humanos e camundongos, é uma lectina animal presente em membranas de macrófagos, que atua reconhecendo β-galactosídeos presentes nas membranas de fungos e, consequentemente, levando a ingestão e morte desse patógeno pelo sistema imune do hospedeiro, ao desencadear a sinalização por fagocitose e produção de citocinas inflamatórias, como TNF-α e IL-6. Na infecção por Neospora caninum animais knockout para dectina-1 (Dectin-1-/-), apresentam redução no score inflamatório do sistema nervoso central e um aumento na sobrevida (Figura 3).














Figura 3: (A) Curva de mortalidade WT (selvagem) Dectin-1-/- (ausência de dectina). (B) Parasitismo na fase aguda em células peritoneais (3 dias pós infecção) (C) Parasitismo cerebralapós 30 dias de infecção por real-time PCR. DA SILVA, Murilo Vieira et al. Dectin-1 Compromises Innate Responses and Host Resistance against Neospora caninum Infection. Frontiers in Immunology, v. 8, 2017.


As selectinas representam outro grupo de lectinas tipo-C, e são responsáveis pelo rolamento de leucócitos durante uma resposta inflamatória e possivelmente também estão envolvidas no espalhamento de algumas células tumorais para outros locais do corpo, constituindo alvos promissores na terapia antitumoral.
Além das selectinas, outro grupo de lectina tipo-C bastante estudado são as galectinas, que estão relacionadas aos mais diversos processos, como adesão celular, organização e estabilização de domínios de membrana, sinalização celular, endereçamento intracelular, cicatrização, apoptose, regulação do ciclo celular. As galectinas também participam da sinalização celular associada ao desenvolvimento da angiogênese por meio da regulação da expressão de fatores de crescimento, como fator de crescimento vascular endotelial (VEGF), fator de crescimento epidermal (EGF) e fator de crescimento de fibroblastos básico (bFGF), mostrando-se como eficientes moduladores da angiogênese.
A ação antiparasitária de galectinas também tem sido amplamente investigada, principalmente sobre Toxoplasma gondii. A galectina-3, por exemplo, aumenta a resposta inflamatória em camundongos infectados por T. gondii, desempenhando papéis protetor e regulatório, sobretudo no estágio inicial da infecção, provavelmente devido a sua capacidade de controlar a produção de citocinas, especialmente aquelas relacionadas ao perfil Th1.
Portanto, as lectinas podem ser usadas para diversas funcionalidades no organismo, e seu estudo é de suma importância para o desenvolvimento de novas moléculas terapêuticas.  

Referências: 
HIRABAYASHI, J.; KUNO, A.; TATENO, H. Lectin-based structural glycomics: a practical approach to complex glycans. Electrophoresis. v. 32, p. 1118-28, 2011.

LUO, Q.; UPADHYA, R.; ZHANG, H.; MADRID-ALISTE, C.; NIEVES, E.; KIM, K.; ANGELETTI, R. H.; WEISS, L. M. Analysis of the glycoproteome of Toxoplasma gondii using lectin affinity chromatography and tandem mass spectrometry. Microbes Infect. v. 14-15, p. 1199-210, 2011.

BARBOSA, P. S. F.; MARTINS, A. M. C.; TOYAMA, M. H.; JOAZEIRO, P.P.; BERIAM, L. O. S.; FONTELES, M. C.; MONTEIRO, H. S. A. Purification and biological effects of a C-type lectin isolated from Bothrops moojeni. The Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases. v. 16, p. 493- 504, 2010

Brown, G. D., Willment, J. A., & Whitehead, L. C-type lectins in immunity and homeostasis. Nature Reviews Immunology, 18, 374-389, 2018.

CASTANHEIRA, L. E.; NUNES, D. C.; CARDOSO, T. M.; SANTOS, P. DE S.; GOULART, L. R.; RODRIGUES, R. S.; RICHARDSON, M.; BORGES, M. H.; YONEYAMA, K. A.; RODRIGUES, V.M. Biochemical and functional characterization of a C-type lectin (BpLec) from Bothrops pauloensis snake venom. Int J Biol Macromol. v. 54, p. 57-64, 2013.

Kapoor C, Vaidya S, Kaur H, Jain A. Role of lectins in clinical settings. Clin Cancer Investig J. 3:472-7, 2018.

DA SILVA, Murilo Vieira et al. Dectin-1 Compromises Innate Responses and Host Resistance against Neospora caninum Infection. Frontiers in Immunology, v. 8, 2017.

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