terça-feira, 31 de outubro de 2017

IMUNOLOGIA DOS NEONATOS: MAIS COMPLEXA DO QUE ACHAMOS

Por: Nathalya Pereira Barbosa (Biomedicina/UFU)
Editora: Jacqueline Pádua de Queiroz (Mestranda PPIPA/UFU)


https://www.maemequer.pt/a-vida-com-o-seu-bebe/pos-parto/
recem-nascido/vacinas-do-recem-nascido/


Aproximadamente 6 milhões de crianças morrem com menos de 5 anos de vida, sendo que 45% dessas mortes ocorrem no período neonatal, que compreende 28 dias depois no nascimento. Você deve estar se perguntando: “por que tantos infantes morrem tão cedo?” Uma das respostas para essa pergunta se baseia no sistema imunológico humano e em seu desenvolvimento. A discussão sobre esse tema se mostra extremamente importante quando nos deparamos com dados dessa magnitude, já que entender o funcionamento da imunologia dos pequenos é o primeiro passo para tentar encontrar melhores formas de os proteger e evitar infecções mortais.
https://www.unicef.org/publications/files/
Child_Mortality_Report_2015_Web_8_Sept_15.pdf
Como mencionado no post anterior, o ambiente uterino durante a gravidez apresenta uma modulação de imunossupressão/regulação para que o corpo materno consiga “ignorar” os aloantígenos do feto. Nos primeiros momentos da vida, o sistema imune dos neonatos mantém essa conformação, garantindo um ambiente favorável a infecções. Porém, além dessa influência materna, o próprio sistema se mostra imaturo mesmo depois do nascimento, como observado em relação a muitos outros sistemas do corpo humano.
Tudo começa muito cedo, desde a quarta semana de gestação os progenitores das células imunes (os mieloides e linfoides) já estão presentes no saco vitelínico e migram para o fígado, onde sofrem uma discreta proliferação e diferenciação, sendo encontrados, mais tarde, no baço, timo e medula óssea.
Em relação a imunidade inata do recém-nascido, a primeira linha de defesa, a pele, já se mostra enfraquecida em relação aos adultos, pois é mais permeável aos agentes infecciosos, por ser mais alcalina e pobre em ácidos graxos. O sistema complemento, outro agente importante no combate à microrganismos, também se encontra reduzido no neonato (60-90% dos valores do adulto), já que, durante a gravidez, a passagem de proteínas desse complexo através da membrana é baixa. 

O Sistema Complemento.
http://defesasnaoespecificas.blogspot.com.br/2012/12/sistema-complemento.html

Outro importante componente da imunidade inata são as células NK (Natural Killer) que, apesar de os recém-nascidos apresentarem a mesma quantidade que os adultos, elas têm função reduzida e menos ação citotóxica contra vírus. Os seus macrófagos e monócitos também possuem função reduzida, o que prejudica a fagocitose. Já os neutrófilos são produzidos somente após o nascimento, mas eles também têm prejuízo de função: o rolamento, migração, quimiotaxia e adesão até o sitio de inflamação não são suficientes.
  








Outros mediadores inflamatórios importantes também têm funções reduzidas se comparados aos adultos: 
 “Outros mediadores inflamatórios importantes como fibronectina, fatores da coagulação e sistema cinina também se encontram reduzidos ao nascimento. Todos esses déficits são parcialmente responsáveis pela reduzida capacidade de opsonização, reduzida capacidade em lisar bactérias Gram-negativas e alguns vírus, pouca geração de processo inflamató- rio, assim como reduzida quimiotaxia de polimorfonucleares e monócitos”. (Lilian M.O.D; Bruna de C.G e F)


Em relação a imunidade adaptativa celular, os linfócitos T se encontram em número semelhante ao do adulto depois de 18 a 24 semanas de gestação, no timo eles já receberam marcadores moleculares e tolerância aos antígenos próprios.  Porém, mesmo assim, são células imaturas e de pouca memória, pois no ambiente intrauterino há pouca exposição a antígenos. Devido a uma redução na produção de citocinas IL-12 e IFN-α pelas Células Apresentadoras de Antígeno (APCs), causada pela função reduzida de moléculas trandutoras de sinal, como o Fator de Resposta ao Interferon 3 (IRF3); as células T possuem um desvio para o perfil Th2 de resposta até um ano de idade. Isso influencia a resposta imune da criança, induzindo a resposta do tipo alergênica. 

https://www.immunology.org/public-information/bitesized-immunology/immune-development/neonatal-immunology

A resposta pró-inflamatória é completamente debilitada, devido a essa baixa produção de IL-12, citocina responsável pelo desvio dos linfócitos T CD4+ para o perfil Th1. A citotoxicidade é quase nula, já que o perfil Th1 não é ativado e outras citocinas, como as IL-2, IL-6, IL-10 e IL-4, não são produzidas em níveis significativos, devido à imunossupressão placentária e pela baixa exposição à antígenos dentro do útero. (Para entender mais sobre os perfis de resposta dos linfócitos, clique aqui). 

https://pt.slideshare.net/labimuno/introducao-ao-sistema-imune
A resposta humoral é dada pelos linfócitos B, que no feto, já estão presentes com 8 semanas. Com 10 semanas, as imunoglobulinas são produzidas e apresentam o pico na 26ª semana. Depois, a produção cai drasticamente até o nascimento, pela falta de estímulo para sua produção, uma vez que o ambiente intrauterino é quase estéril e há a passagem que anticorpos passivamente (menos o IgM) através da placenta. Quando a criança nasce, há baixa quantidade de IgM, IgA e IgE, sendo que o IgG é, predominantemente, materno.










http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=564

Com a exposição a antígenos ambientares e alimentares após o nascimento, há o aumento da produção própria de anticorpos, porém, esse período entre a queda das imunoglobulinas maternas e a produção sustentada é chamado de hipogamaglobulinemia transitória que pode ser concluído apenas aos 5 anos de idade.
Os anticorpos produzidos pelos recém-nascidos atuam por curta duração e baixos picos séricos, e a resposta é atrasada, isso é justificado pela presença das imunoglobulinas maternas e a imaturidade das células T helper e linfócitos B.
Isso tudo nos leva à importância da amamentação. Como visto, o neonato necessita da transferência de anticorpos da mãe, tanto no útero, quanto após o nascimento, já que a maturação completa do sistema imune se dá apenas na infância tardia. O leite materno contém IgA, que protege o trato gastrointestinal e respiratório, citocinas (IL-4, IL-6, IL-8, IL-10), fagócitos, células NK, linfócitos, lizosimas, lactoferrina, peroxidases e substâncias antimicrobianas, anti-inflamatórias e imunorreguladoras.
http://www.santajoana.com.br/amamentacao/amamentacao-por-um-futuro-mais-saudavel/

As vacinas destinadas aos infantes devem possuir formulações diferentes, e, mesmo assim, não são tão efetivas quanto as aplicadas em adultos, uma vez que o reconhecimento aos antígenos das vacinas e a formação de memória estão reduzidos. Porém, a vacinação ainda sim é fundamental para proteção dos recém-nascidos e, principalmente, para a estimulação do sistema imune.
Ufa! Quanta coisa podemos aprender ainda sobre a imunidade dos neonatos!      
Aposto que agora você percebeu que não é tão simples quanto você pensava, não é?

FONTES:
Lilian M.O.D; Bruna de C.G e F; O Sistema Imunológico do recém-nascido; Revista Médica de Minas Gerais, 2014; 24 (2): 233-240;
https://www.immunology.org/public-information/bitesized-immunology/immune-development/neonatal-immunology
http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=564
https://nacoesunidas.org/onu-16-mil-criancas-morrem-diariamente-revela-novo-relatorio-sobre-mortalidade-infantil1/
https://www.unicef.org/publications/files/Child_Mortality_Report_2015_Web_8_Sept_15.pdf





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