terça-feira, 24 de abril de 2018

Vacinas Terapêuticas Contra Câncer


Por: Heber Leão Silva Barros (Doutorando/PPIPA - UFU)

             O câncer é uma doença causada pela multiplicação aberrante de alguma célula, precedido por mutação na(s) célula(s) afetada(a), o que ocasiona a perda do controle de sua divisão e consequente multiplicação descontrolada. Normalmente, esse tipo de mutação afeta intensamente os mecanismos normais de reparo (os chamados checkpoints) da mitose celular, fazendo com que as células cancerígenas acumulem diversas mutações. Considerando que as mutações que levam ao câncer podem ocorrer em qualquer célula e a doença pode apresentar fenótipos distintos entre indivíduos (ainda que as células afetadas sejam iguais), é compreensível que a quimioterapia seja baseada em compostos altamente tóxicos contra células cancerígenas. O problema é que células saudáveis também são afetadas, tornando o tratamento inviável para pacientes que já estejam debilitados pela própria doença. Buscando resolver esse problema, várias pesquisas foram feitas com o objetivo de encontrar alternativas que substituam o uso de quimioterápicos, ou pelo menos que aumentassem sua eficácia. Uma das alternativas atualmente pesquisadas, e que vem trazendo resultados promissores, é o uso de vacinas terapêuticas contra um câncer específico, ou seja, uma vacina personalizada.
            Mas por que utilizar uma vacina terapêutica para tratar essa doença? Para responder a essa pergunta, temos que revisitar o conhecimento atualmente disponível sobre o papel do sistema imunológico no câncer: todo o processo se inicia com a mutação em uma única célula, sendo essa alteração capaz de fazer com que aquela célula faça ciclos mitóticos sucessivos e descontrolados. Diversas alterações  podem ser detectadas precocemente pelo sistema imunológico, especialmente os produtos da mutação que podem ser detectados pelas células que realizam a vigilância imunológica (como células TCD8+ e linfócitos assassinos naturais – NK) e iniciam a resposta contra aquelas células cancerígenas. Então se inicia uma guerra entre as células cancerígenas e o sistema imunológico. Uma das possíveis táticas utilizadas por um câncer é a indução de tolerância imunológica no indivíduo, seja mediada por células T regulatórias ou pelo esgotamento do sistema imunológico, sendo que em ambas situações o sistema imunológico se torna anérgico aos antígenos tumorais, deixando o caminho livre para que a doença se desenvolva.
A proposta da vacina terapêutica personalizada é retirar material do câncer do indivíduo, tal como células provenientes de uma biópsia, e preparar um “extrato” antigênico a partir delas. A seguir, esse extrato é colocado em contato com células apresentadoras de antígenos extraídas da corrente sanguínea do indivíduo e diferenciadas in vitro, como células dendríticas. A esse processo pode também ser adicionada alguma substância capaz de ativar essas células mais eficientemente, como lipopolissacarídeo, um potente estimulador de receptores semelhantes a Toll. O que foi verificado é a internalização daquele complexo de antígenos pelas células dendríticas e a alteração das suas moléculas de superfície, indicando que elas estavam prontas para apresentar epítopos para linfócitos. Essas células são inseridas no indivíduo do qual foram colhidas e, o que se espera, é que elas forneçam um novo “fôlego” ao sistema imunológico, tornando-o novamente responsivo àquele câncer.




O mais interessante é que essa abordagem vem apresentando resultados sólidos, como aqueles apresentados por Li e colaboradres (2018), no qual camundongos tiveram câncer induzido e retirado cirurgicamente e posteriormente tratados com uma vacina terapêutica na qual as células dendríticas foram “carregadas” com antígeno do câncer, reduzindo consideravelmente a reincidência. Kandalaft e colaboradores(2018) também demonstraram o efeito benéfico da vacina terapêutica ao aplicarem essa técnica em mulheres com câncer de útero reincidente, o que aumentou significativamente a sobrevida delas.
A “reeducação” do sistema imunológico nos dá um bom exemplo de que a melhor alternativa de tratamento nem sempre vem da pesquisa de moléculas/proteínas/fármacos encontrados na natureza ou quimicamente sintetizados, mas pode vir do aprofundamento do conhecimentos das células e elementos próprios de nosso corpo.

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