Por: Heber Leão Silva Barros (Doutorando/PPIPA - UFU)
O câncer é uma doença causada pela multiplicação
aberrante de alguma célula, precedido por mutação na(s) célula(s) afetada(a), o
que ocasiona a perda do controle de sua divisão e consequente multiplicação descontrolada.
Normalmente, esse tipo de mutação afeta intensamente os mecanismos normais de
reparo (os chamados checkpoints) da
mitose celular, fazendo com que as células cancerígenas acumulem diversas
mutações. Considerando que as mutações que levam ao câncer podem ocorrer em
qualquer célula e a doença pode apresentar fenótipos distintos entre indivíduos
(ainda que as células afetadas sejam iguais), é compreensível que a quimioterapia
seja baseada em compostos altamente tóxicos contra células cancerígenas. O
problema é que células saudáveis também são afetadas, tornando o tratamento
inviável para pacientes que já estejam debilitados pela própria doença.
Buscando resolver esse problema, várias pesquisas foram feitas com o objetivo
de encontrar alternativas que substituam o uso de quimioterápicos, ou pelo
menos que aumentassem sua eficácia. Uma das alternativas atualmente
pesquisadas, e que vem trazendo resultados promissores, é o uso de vacinas
terapêuticas contra um câncer específico, ou seja, uma vacina personalizada.
Mas por que utilizar uma vacina
terapêutica para tratar essa doença? Para responder a essa pergunta, temos que
revisitar o conhecimento atualmente disponível sobre o papel do sistema
imunológico no câncer: todo o processo se inicia com a mutação em uma única
célula, sendo essa alteração capaz de fazer com que aquela célula faça ciclos mitóticos
sucessivos e descontrolados. Diversas alterações podem ser
detectadas precocemente pelo sistema imunológico, especialmente os produtos da
mutação que podem ser detectados pelas células que realizam a vigilância
imunológica (como células TCD8+ e linfócitos assassinos naturais –
NK) e iniciam a resposta contra aquelas células cancerígenas. Então se inicia
uma guerra entre as células cancerígenas e o sistema imunológico. Uma das
possíveis táticas utilizadas por um câncer é a indução de tolerância
imunológica no indivíduo, seja mediada por células T regulatórias ou pelo
esgotamento do sistema imunológico, sendo que em ambas situações o sistema
imunológico se torna anérgico aos antígenos tumorais, deixando o caminho livre
para que a doença se desenvolva.
A
proposta da vacina terapêutica personalizada é retirar material do câncer do
indivíduo, tal como células provenientes de uma biópsia, e preparar um “extrato”
antigênico a partir delas. A seguir, esse extrato é colocado em contato com células
apresentadoras de antígenos extraídas da corrente sanguínea do indivíduo e
diferenciadas in vitro, como células
dendríticas. A esse processo pode também ser adicionada alguma substância capaz
de ativar essas células mais eficientemente, como lipopolissacarídeo, um
potente estimulador de receptores semelhantes a Toll. O que foi verificado é a internalização daquele complexo de
antígenos pelas células dendríticas e a alteração das suas moléculas de
superfície, indicando que elas estavam prontas para apresentar epítopos para linfócitos.
Essas células são inseridas no indivíduo do qual foram colhidas e, o que se
espera, é que elas forneçam um novo “fôlego” ao sistema imunológico, tornando-o
novamente responsivo àquele câncer.
O
mais interessante é que essa abordagem vem apresentando resultados sólidos, como
aqueles apresentados por Li e colaboradres (2018), no qual camundongos tiveram
câncer induzido e retirado cirurgicamente e posteriormente tratados com uma vacina
terapêutica na qual as células dendríticas foram “carregadas” com antígeno do
câncer, reduzindo consideravelmente a reincidência. Kandalaft e colaboradores(2018) também demonstraram o efeito benéfico da vacina terapêutica ao aplicarem
essa técnica em mulheres com câncer de útero reincidente, o que aumentou
significativamente a sobrevida delas.
A
“reeducação” do sistema imunológico nos dá um bom exemplo de que a melhor
alternativa de tratamento nem sempre vem da pesquisa de
moléculas/proteínas/fármacos encontrados na natureza ou quimicamente
sintetizados, mas pode vir do aprofundamento do conhecimentos das células e
elementos próprios de nosso corpo.
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