terça-feira, 30 de maio de 2017

Interações microbiota/hospedeiro no desenvolvimento de desordens neurológicas

Post por Marcela Davoli (Doutoranda FMRP-USP/IBA)
Editora: Caroline  Mota (PostDoc UFU/PPIPA)


Trilhões de micróbios, incluindo bactérias, alguns tipos de fungos e até parasitos, habitam o corpo humano e coletivamente são chamados de microbiota. Estima-se que nosso corpo seja composto por 10 vezes mais micróbios do que células humanas. Em outras palavras, quanto ao número de células, somos 90% micróbios e apenas 10% humanos! Embora esses microrganismos colonizem virtualmente todas as superfícies expostas ao ambiente externo (boca, tratos genitourinário e respiratório, olhos e pele), a maior parte da colonização (cerca de 70%) ocorre no trato gastrointestinal, onde têm como papel auxiliar na digestão de alimentos, na síntese de vitaminas e controlar a proliferação de patógenos aos quais somos constantemente expostos. Entretanto, além de importante papel na homeostase e proteção dos órgãos em que se encontram, estudos recentes sobre o microbioma humano demonstram que sua influência se estende muito além do intestino, inclusive para o cérebro. Durante os últimos 10 anos, estudos ligaram o microbioma intestinal a uma série de comportamentos complexos, como humor e emoção, apetite e saciedade, e até mesmo aprendizagem e memória. Não só a microbiota parece interferir na função cerebral, mas também pode influenciar o risco de transtornos neurológicos, incluindo ansiedade, autismo e Doença de Parkinson. A grande questão é como? Parte dessa questão pode ser respondida baseando-nos no fato de que populações microbianas são capazes de metabolizar e converter parte dos componentes da nossa dieta em substâncias que atuam diretamente sobre células do sistema nervoso central e periférico, como ácidos graxos de cadeia curta e triptofano. Dependendo da composição da microbiota de cada indivíduo, que em geral é muito variável e depende dos hábitos alimentares, de higiene e de fatores genéticos, essas substâncias podem ser produzidas em maiores ou menores quantidades, induzindo respostas que podem levar ao desenvolvimento de determinadas doenças. Um estudo recente, publicado no fim de 2016 na revista Cell (doi: 10.1016/j.cell.2016.11.018), demonstra, por exemplo, que camundongos germ free, ou seja, que não possuem microbiota, não desenvolvem doença de Parkinson. Isso porque os ácidos graxos de cadeia curta produzidos pela microbiota são extremamente importantes na ativação de células da micróglia e sem essa ativação diferencial dessas células a doença não evolui. Além disso, camundongos que receberam transplante fecal de indivíduos com doença de Parkinson apresentaram aumento dos níveis séricos de ácidos graxos de cadeia curta e desenvolveram os sintomas da doença de maneira mais rápida que animais que receberam o transplante fecal de indivíduos saudáveis. Dados semelhantes foram encontrados em outros trabalhos que investigaram o papel da microbiota em indivíduos com autismo e esquizofrenia, demonstrando que algumas espécies de bactérias comensais também estão alteradas nos portadores destas síndromes. Embora poucos mecanismos tenham sido bem delineados na relação microbiota/hospedeiro/doenças neurológicas, estes estudos iniciais geram grandes expectativas, uma vez apontam a modulação da microbiota como uma possível ferramenta terapêutica para o tratamento dessas desordens que acometem grande parcela da população e não possuem tratamentos efetivos. 

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