terça-feira, 25 de abril de 2017

Interação patógeno - hospedeiro

Por Patrício da Silva Cardoso Barros (Doutorando/PPIPA)

A Liga Universitária de Imunologia visa promover a interação entre diferentes públicos (Graduandos, Pós-Graduados e Professores), para que possamos discutir diferentes tópicos sobre imunologia e ciências correlacionadas. Como organizadores desse projeto e membros do Laboratório de Imunoparasitologia, é oportuno descrever, sucintamente, os temas que pesquisamos e, consequentemente, possuímos um maior domínio. O nosso grupo de pesquisa busca compreender a reposta imune resultante da interação patógeno-hospedeiro, bem como seus mecanismos gênicos, utilizando diferentes hospedeiros (camundongos, ratos, bovinos) e protozoários intracelulares (Toxoplasma gondii e Neospora caninum) como modelo de estudo. 
O reconhecimento de patógenos invasores (em diferentes compartimentos celulares) é fundamental para a eficiência da resposta imune. A imunidade inata é um sistema evolutivamente conservada que fornece a primeira linha de defesa do hospedeiro contra vírus e microrganismos invasores. Esse sistema atua na manutenção da homeostase, regulando processos endógenos como inflamação e morte celular [1-2]. Tais processos são estimulados por uma variedade de receptores de reconhecimento padrão (PRRs), que reconhecem moléculas de origem microbianas (PAMPs), geralmente vitais para os patógenos e ausentes nas células hospedeiras. Além disso, os PRRs reconhecem moléculas associadas a danos (DAMPs), que são liberadas mediante condições de estresse, destruições teciduais e morte celular (necrose e piroptose). Uma grande variedade de PAMPs bacterianos foram identificados, incluindo moléculas tão diversas quanto lipoproteínas, LPS, flagelinas e CDNs. Os vírus são reconhecidos principalmente pelas suas glicoproteínas de fusão e pela peculiaridade de ácidos nucleicos (dsRNA, ssRNA e DNA viral). Em comparação aos anteriores, muito pouco se conhece sobre o reconhecimento de protozoários. Isso se deve, em parte, ao fato de que a maioria das moléculas microbianas e virais classicamente reconhecidas pela imunidade inata não estarem presentes em patógenos eucariotos. No entanto, o sistema imune inato é capaz de reconhecer um conjunto distinto de moléculas presente exclusivamente em protozoários, bem como moléculas relacionadas a eventos de danos teciduais liberadas pela lise celular [3-5]. Os PRRs são classificados em dois grupos: 1- Receptores ligados à membrana (TLRs e CLRs). 2- Receptores citoplasmáticos (NLRs, PYHIN, RLRs).
O reconhecimento de T. gondii e N. caninum envolve ambos os receptores: de membranas e citoplasmáticos. Esse reconhecimento resulta na ativação e interação de diferentes vias de sinalizações e fatores de transcrição que determinam o curso da infecção. Entretanto, existe uma maior compreensão do envolvimento dos TLRs e suas vias subsequentes. Após a interação com seus respectivos ligantes, TLR11/TLR12 (profilina), TLR2 (GPI), TLR7/TLR9 (ssRNA e DNA), as proteínas adaptadoras, MYD88 e TRIF, são recrutadas permitindo a translocação de fatores de transcrição (NF-kB e IRFs) para o núcleo, onde são ativadas e estimulam a produção de citocinas pró-inflamatórias. 
















A via que resulta na produção de IL-12/INF-γ é crucial para o controle da infecção, como é demonstrado pelo aumento da susceptibilidade de camundongos deficientes para IL-12 e IFN-γ. Na fase aguda da infecção, interações entre o parasito e células da imunidade inata resultam na produção de IL-12 pelas células dendríticas CD8, células dendríticas plasmocitóides, macrófagos e neutrófilos. IL-12 estimula a produção de IFN-γ, inicialmente, por células NK e, posteriormente, por linfócitos T (CD4 e CD8). A via de sinalização de IFN-γ é dependente da fosforilação e translocação de STAT1 para o núcleo e consequente indução de genes estimulados por interferon (ISGs) que eliminam o parasito por diferentes mecanismos. Por exemplo, IFN-γ altera o metabolismo celular, induzindo a expressão de IDO, que degrada o triptofano (aminoácido essencial para o crescimento parasitário). IFN-γ aumenta a expressão de iNOS, que gera a produção de óxido nítrico (metabolito altamente tóxico para o parasito), degradando arginina (outro aminoácido crucial para a sobrevivência do parasito). Por último, IFN-γ estimula a expressão de IRGs e GBPs, que são proteínas responsáveis pela destruição da membrana do vacúolo parasitóforo (organela que hospeda e protege o parasito dos mecanismos de eliminação do sistema endolisossomal). A destruição da membrana do vacúolo resulta na liberação do parasito no compartimento citoplasmático da célula onde são eliminados.

Após a descrição da diversidade de componentes celulares envolvidos no reconhecimento e eliminação de microrganismos invasores, como esses conseguem sobreviver, causar doenças e morte de seus hospedeiros? Isso se deve, principalmente, ao fato dos mecanismos da resposta imune do hospedeiro estarem sob controle de inúmeras vias de sinalização e fatores de transcrição. Tal fato permite que a resposta imune do hospedeiro seja manipulada por um grupo de microrganismos denominados patogênicos (assim nomeado pela capacidade de evasão à eliminação pelos mecanismos efetores da resposta imune). Como patógenos intracelulares obrigatórios, T. gondii e N. caninum são capazes de sobreviver e proliferar no interior de células hospedeiras, onde secretaram proteínas (MICs, ROPs e GRAs) que modulam a expressão gênica através da modificação da cromatina ou pela indução de RNAs não codificadores. O mapeamento gênico de parasitos resultantes do cruzamento entre cepas de T. gondii de alta virulência (tipo I) e cepas de virulência intermediaria (tipo II) permitiu a identificação de ROP5 e ROP18, que formam complexos com a ROP17 impedindo o acoplamento de IRGs na membrana do vacúolo e sua consequente degradação. ROP16 I e II, ativa fatores de transcrição, STAT3 e STAT6, o que resulta no aumento da produção de IL-4, que antagoniza a produção de IL-12 [6-7]

Atualmente, são conhecidas uma variedade de proteínas efetoras do parasito, secretadas em diferentes estágios da infecção, que boqueiam a resposta imune do hospedeiro. Os avanços na identificação e caracterização dos processos que regulam a interação patógeno-hospedeiro somente foi possível com o advento da “Forward genetics” e genética reversa. Forward genetics permite a identificação de genes responsáveis por determinados fenótipos, utilizando mutação naturais ou induzidas por radiação ou mutagênicos químicos. A genética reversa, determina a função dos genes pela análise dos efeitos provocados pela alteração na sequência do DNA. A implementação de duas novas tecnologias, que permitem a análise de alterações no genoma (RNAseq) e edição gênica (CRISPR), estão revolucionando o estudo da genômica e proteômica de patógenos e seus hospedeiros. O detalhamento dessas tecnologias é assunto para um post futuro. 

Referências:
1 - SHER, A.; TOSH, K.; JANKOVIC, D. Innate recognition of Toxoplasma gondii in humans involves a mechanism distinct from that utilized by rodents. Cell Mol Immunol, 2017.
 2- TAKEDA, K.; AKIRA, S. Toll-like receptors in innate immunity. Int Immunol, 2005.
3- BROZ, P.; MONACK, D. M. Newly described pattern recognition receptors team up against intracellular pathogens. Nat Rev Immunol, 2013.
4- GAZZINELLI, R. T.; DENKERS, E. Y. Protozoan encounters with Toll-like receptor signalling pathways: implications for host parasitism. Nat Rev Immunol, 2006.
5- YAROVINSKY, F. Innate immunity to Toxoplasma gondii infection. Nat Rev Immunol, 2014.
6- HAKIMI, M. A.; OLIAS, P.; SIBLEY, L. D. Toxoplasma Effectors Targeting Host Signaling and Transcription. Clin Microbiol Rev, 2017.
 7- HUNTER, C. A.; SIBLEY, L. D. Modulation of innate immunity by Toxoplasma gondii virulence effectors. Nat Rev Microbiol, 2012.

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